Competências Socioemocionais

Competências Socioemocionais

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EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO 21


Mais exercícios, mais repetição e mais testes podem até resultar em uma nota maior, mas não prepararão o aluno de forma integral e, muito menos, darão conta de desenvolver todas as competências que ele necessita para enfrentar os desafios do século 21. Enquanto o mundo abre espaço e cobra que os jovens sejam protagonistas de seu próprio desenvolvimento e de suas comunidades, o ensino tradicional ainda responde com modelos criados para atender demandas antigas. A realidade é que o ser humano é definitivamente complexo e, para desenvolvê-lo de maneira completa, é necessário incorporar estratégias de aprendizagem mais flexíveis e abrangentes.

Uma das saídas para reconectar o indivíduo ao mundo onde vive passa pelo desenvolvimento de competências socioemocionais. Nesse processo, tanto crianças como adultos aprendem a colocar em prática as melhores atitudes e habilidades para controlar emoções, alcançar objetivos, demonstrar empatia, manter relações sociais positivas e tomar decisões de maneira responsável, entre outros. Uma abordagem como essa pode ajudar, por exemplo, na elaboração de práticas pedagógicas mais justas e eficazes, além de explicar por que crianças de um mesmo meio social vão trilhar um caminho mais positivo na vida, enquanto outras, não.

Longe de ser um modismo, a preocupação com o desenvolvimento dessas características sempre foi objetivo da educação e precisa ser entendido como um processo de formação integral, que  não se restringe à transmissão de conteúdos. Então o que muda? Para que consiga alcançar esse propósito, a inclusão de competências socioemocionais na educação precisa ser intencional.

“As competências socioemocionais são habilidades que você pode aprender; são habilidades que você pode praticar; e são habilidades que você pode ensinar”

“A gente está falando de uma mudança de cultura, de compreensão de vida, do que a gente acredita que é o ser humano, o conhecimento, a aprendizagem e de qual é o papel da escola”, explica Anita Abed, consultora da Unesco (organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura). “O conhecimento em si deve ser amplamente significativo e prazeroso, algo da ordem socioemocional”, diz.

A nova visão não implica em deixar de lado o grupo de competências conhecidas como cognitivas (interpretar, refletir, pensar abstratamente, generalizar aprendizados), até porque elas estão relacionadas estreitamente com as socioemocionais. Pesquisas revelam que alunos que têm competências socioemocionais mais desenvolvidas apresentam maior facilidade de aprender os conteúdos acadêmicos. No livro “Uma questão de caráter” (Intrínseca, 272 págs), o escritor e jornalista americano Paul Tough vai além, e coloca que o sucesso no meio universitário não está ligado ao bom desempenho na escola, mas sim à manifestação de características como otimismo, resiliência e rapidez na socialização. O livro ainda explica que competências socioemocionais não são inatas e fixas: “elas são habilidades que você pode aprender; são habilidades que você pode praticar; e são habilidades que você pode ensinar”, seja no ambiente escolar ou dentro de casa.

EVOLUÇÃO DO DEBATE


A discussão sobre o papel e a importância das competências socioemocionais ganhou corpo no mundo inteiro ao longo das últimas décadas. Nos anos 90, o surgimento do Paradigma do Desenvolvimento Humano, proposto pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e a publicação do Relatório Jacques Delors, organizado pela Unesco, representaram um importante passo para o debate sobre a importância de uma educação plena, que considere o ser humano em sua integralidade.

O primeiro texto coloca as pessoas no centro dos processos de desenvolvimento e aponta a educação como oportunidade central para prepará-las para escolhas e ajudá-las a transformar seu potencial em competências. Já o relatório da Unesco sugere um sistema de ensino fundado em quatro pilares: (i) aprender a conhecer, (ii) aprender a fazer, (iii) aprender a ser, e (iv) aprender a conviver.

A partir desse momento, especialistas das mais diversas áreas, como economia, educação, neurociências e psicologia, começaram a definir quais seriam as competências necessárias ao alcance dos quatro pilares propostos e se haveria outros grandes objetivos para o aprendizado. Para isso, os estudos investigaram a relação entre desenvolvimento socioemocional e desenvolvimento cognitivo, bem como o elo de ambos com os diversos contextos de aprendizagem (escola, família, comunidade, ambiente de trabalho e etc.) e com diversos indicadores de bem-estar ao longo da vida (renda, saúde e segurança, entre outras).

Segundo o especialista em educação de Hong Kong Lee Wing On, as competências e habilidades listadas por essas pesquisas estão intimamente conectadas com as chamadas soft skills (habilidades maleáveis, em livre tradução), que compreendem um conjunto de características sociais, reguladoras e comportamentais (Heffron, 1997; Heckman e Kaultz, 2012). Também se relacionam com o conceito de capital social (Putnam, 1995), que é determinado pelo nível de cooperação entre integrantes de uma comunidade. Esses conceitos abrangem capacidades que se modificam a partir de experiências e da interação com outras pessoas (por isso o termo soft, em contraposição aos menos maleáveis inteligência e conhecimento, tal como medidos por testes de desempenho e QI).

Mais recentemente, as atenções se voltaram a como levar para as escolas e disseminar o desenvolvimento de competências socioemocionais. Na esteira, organismos multilaterais como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) passaram a produzir conhecimento para apoiar governos e instituições a criarem políticas e práticas voltadas intencionalmente para a promoção dessas competências, com apoio de métodos específicos para este fim.

UMA TEORIA: BIG FIVE


Entre os psicólogos, tem crescido o reconhecimento de que é possível analisar a personalidade humana em cinco dimensões, conhecidas como Big Five: abertura a novas experiências, extroversão, amabilidade, consciência (também traduzida como conscienciosidade, do inglês conscientiousness) e estabilidade emocional (em inglês, usualmente identificada na carga de instabilidade emocional, ou neuroticism). Os Big Five são resultado de uma análise das respostas de questionários sobre comportamentos representativos de todas as características de personalidade que um indivíduo pode ter. Quando aplicados a pessoas de diferentes culturas e em diferentes momentos do tempo, as respostas a esses questionários demonstraram ter a mesma estrutura, o que deu origem à hipótese de que os traços de personalidade dos seres humanos se agrupam efetivamente em torno de cinco grandes domínios.

O pioneirismo da teoria é atribuído a Gordon Allport e colegas que, em meados dos anos 30, buscaram nos dicionários todos os adjetivos que poderiam descrever atributos de personalidade (como por exemplo: “amável”, “agressivo” etc). Na década de 40, Raymond Catell reduziu a lista de adjetivos para 171 termos e depois os agrupou por afinidade em 35 conjuntos.

A partir dos anos 60, pesquisas de grande amostragem detectaram que cinco fatores principais resumiam a variação existente. Os autores que mais contribuíram ao modelo à época, considerados os “pais” da teoria, foram: Lewis Goldberg, Robert R. McCrae e Paul T. Costa, Jerry Wiggins e Oliver John.

Para ressaltar a importância do tema, John, que atua como professor de psicologia na Universidade da Califórnia em Berkley e é autor do The Big Five Personality Test, um dos mais robustos testes de avaliação dos traços de personalidade, analisa que pela primeira vez na história é possível entender o que acontece com os traços de personalidade. “Temos a chance de conectá-los às escolas, e as competências socioemocionais são atributos que não podemos subestimar”, afirma.

O professor de Berkley explica que a teoria dos Big Five tem sido comprovada por diversos pesquisadores independentes ao redor do mundo. “É incrível que estudiosos do Brasil também encontrem as mesmas respostas. Isso significa que as pessoas podem trabalhar juntas em busca do que funciona, ao invés de ficar dizendo que isso é meu ou seu. Eu não sou dono da teoria dos Big Five e você não precisa me pagar royalties (compensações). Ela (teoria) funciona como um código aberto”.

Domínios do Big Five

Grande parte das experiências desenvolvidas por pesquisadores utiliza escalas e testes para medir aspectos particulares da personalidade e enquadrá-los em ao menos um dos domínios dos Big Five. Abaixo, o esquema proposto por John e Srivastava (1999) e citado em Almlund et al (2011) para enquadrar os domínios capturados por escalas e testes nos cinco grandes grupos dos Big Five:

Abertura a novas experiências:  tendência a ser aberto a novas experiências estéticas, culturais e intelectuais. O indivíduo aberto a novas experiências caracteriza-se como imaginativo, artístico, excitável, curioso, não convencional e com amplos interesses.

Consciência: inclinação a ser organizado, esforçado e responsável. O indivíduo consciente é caracterizado como eficiente, organizado, autônomo, disciplinado, não impulsivo e orientado para seus objetivos (batalhador).

Extroversão: orientação de interesses e energia em direção ao mundo externo e pessoas e coisas (ao invés do mundo interno da experiência subjetiva). O indivíduo extrovertido é caracterizado como amigável, sociável, autoconfiante, energético, aventureiro e entusiasmado.

Amabilidade: tendência a agir de modo cooperativo e não egoísta. O indivíduo amável ou cooperativo se caracteriza como tolerante, altruísta, modesto, simpático, não teimoso e objetivo (direto quando se dirige a alguém).

Estabilidade Emocional: previsibilidade e consistência de reações emocionais, sem mudanças bruscas de humor. Em sua carga inversa, o indivíduo emocionalmente instável é caracterizado como preocupado, irritadiço, introspectivo, impulsivo, e não-autoconfiante.

 

IMPACTO


Aproximar o ambiente escolar do desenvolvimento de competências socioemocionais cria espaço para um aprendizado mais completo e tem impacto no bem-estar ao longo de toda a vida. Isso porque, segundo o pesquisador Oliver John, seres humanos são uma espécie muito sociável, como as formigas e as abelhas, e suas características podem, sim, ser aprimoradas antes e depois do período escolar.

É quase um lugar comum dizer que o mundo atual é complexo demais para caber no currículo das escolas, mas o importante, segundo o pesquisador belga Filip de Fruyt, é entender “por que algumas pessoas conseguem lidar melhor com essa complexidade do que outras”. Para dar conta dessa tarefa, as escolas do século 21 precisam descobrir como inspirar seus alunos enquanto eles aprendem. Com estudos orientados e projetos, é possível ajudar os alunos a conhecerem o que gostam de estudar, como preferem aprender, o que os faz desistir, em que costumam errar, quais emoções os dominam quando fracassam ou são provocados. Em especial, estimulá-los a descobrir quais são seus sonhos e de que forma persistir em alcançá-los.

Os resultados desta mudança de postura são sentidos na própria sala de aula, como mostram pesquisas promovidas pelo Instituto Ayrton Senna e pela OCDE. Alunos mais responsáveis, focados e organizados aprendem em um ano letivo cerca de um terço a mais de matemática do que os colegas que apresentam essas competências menos desenvolvidas. Em português, os efeitos são semelhantes, e alunos mais abertos e protagonistas têm seu aprendizado impulsionado em um terço.

Com este novo cenário, abre-se a possibilidade de melhorar os índices de desempenho tradicionalmente avaliados e, ao mesmo tempo, promover as novas aprendizagens. Além disso, surge uma importante ferramenta para reduzir as desigualdades dentro do sistema educativo e de elevar sua qualidade, diminuindo inclusive os níveis de evasão. Segundo o artigo A importância socioeconômica das características da personalidade, assinado pelo professor Daniel D. Santos, da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), o diferencial de um indivíduo com estas competências bem desenvolvidas também é sentido no mercado de trabalho e seu efeito é recompensado na forma de maiores salários e menor período de desemprego.

 

EDUCAÇÃO.DOC - COMPETÊNCIAS DA NOVA ESCOLA

CURRÍCULO


Sociedade decide currículo socioemocional no Canadá

Em 2009, o Ministério da Educação de Ontário, no Canadá, alterou as diretrizes curriculares para que contemplasse o desenvolvimento de habilidades socioemocionais nos alunos. A mudança se deu a partir de uma necessidade percebida pelo distrito em formar os jovens de maneira mais completa, tanto para o mercado de trabalho, quanto para a vida adulta em geral. A rede de escolas de sua capital, Ottawa, desenvolveu um projeto interessante para responder a essas novas demandas. Os seus resultados, mesmo que ainda não tenham sido sistematizados, já estão sendo percebidos pela comunidade escolar e servem de inspiração para redes de ensino de todo o mundo.

No Canadá, os ministérios da Educação são regionais e cada distrito possui autonomia para decidir como colocar em prática as diretrizes do governo. O distrito de Ottawa possui 150 escolas, 70 mil alunos e 8.500 funcionários, sendo cerca de 5 mil deles, professores e assistentes pedagógicos.

Jennifer Adams é a diretora de Educação dessa rede e, segundo ela, a diretriz do ministério de atribuir às escolas a responsabilidade de promover a aprendizagem, mas também o bem-estar dos estudantes, se somou a uma necessidade que já era sentida pela comunidade escolar: a formação dos estudantes para a vida. Para atrelar aos conteúdos acadêmicos o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, a rede elaborou um plano de ação que envolveu professores, gestores, empresários, representantes da comunidade e os próprios alunos.

Em um primeiro momento, diretores e gestores fizeram uma reflexão sobre quais habilidades gostariam que os estudantes tivessem quando deixassem a escola. Já com esse pensamento aguçado, fizeram uma grande consulta pública, envolvendo professores, estudantes, funcionários das escolas, membros da comunidade e empresários locais no debate.

“O que surgiu claramente desse processo foi que o papel da escola não pode se restringir apenas às competências acadêmicas, mas que tem toda uma gama de habilidades sociais que precisam ser desenvolvidas. Entre elas, as principais são:  criatividade, espírito inovador e colaborativo, estar aberto a novas ideias e lidar com desafios”, conta Adams.

Iniciar essa mudança pela consulta pública, explica a diretora, foi importante para deixar claro os principais pontos a serem trabalhados e para o entendimento de que essas habilidades deveriam ser consideradas desde o início da vida escolar até o último dia de aula, através de um trabalho constante e de desenvolvimento crescente, sempre estimulando a evolução. “Assim, quando os alunos deixarem a escola e entrarem, não apenas no mercado de trabalho, mas na vida adulta, serão pessoas mais preparadas e seguras”.

A diretora também ressalta que, com o passar dos anos, desde que o trabalho foi iniciado, as escolas perceberam que alunos estão obtendo melhores resultados acadêmicos nas disciplinas tradicionais. “Conforme melhoramos o desenvolvimento das habilidades sociais nos alunos, o desempenho acadêmico acompanha os resultados positivos. E a melhora do desempenho estimula o desenvolvimento das habilidades sociais. É uma relação de equilíbrio e de troca”, pondera Adams.

O currículo inclui, por exemplo, estratégias para trabalhar resiliência com os alunos, a fim de que, quando se depararem com problemas difíceis de matemática, eles não desistam até encontrarem uma solução.

Na implantação dessa nova política pedagógica, a participação e engajamento dos professores foi fundamental. Eles tiveram que deixar para trás o papel de único detentor do conhecimento para assumir uma postura de mediador, de facilitador da aprendizagem, estimulando discussões que ultrapassem os limites dos conteúdos factuais. “Por exemplo, para explicar o papel do Canadá na Segunda Guerra Mundial, o professor aborda menos fatos ou datas, coisas que qualquer um pode acessar facilmente, e vai falar mais sobre como os líderes canadenses mostraram resiliência no período”, exemplifica Adams.

Para viabilizar essas mudanças, os docentes da rede passaram por capacitações e atividades de formação. “Mostramos para os professores que eles iam ter suporte para se adaptar, que eles mereciam ter diferentes frentes de apoio para ajudá-los a lidar com as necessidades dos alunos”, afirma Adams.

Outro intuito do desenho do novo currículo é promover o pensamento crítico dos estudantes. Por isso, os professores são incentivados a realizar atividades cujos objetivos e metas são definidos conjuntamente com os alunos, que trabalham em duplas ou em pequenos grupos, para estimular a colaboração, a criatividade e a inovação.

“Os docentes são encorajados a escolher recursos de aprendizagem que auxiliem os alunos a falar explicitamente sobre habilidades socioemocionais. Por exemplo, quando se estuda um romance, eles podem ser questionados sobre como o personagem principal demonstra resiliência, ou qualquer outra habilidade, e depois comparar esse comportamento com o de outros personagens de outros livros ou filmes”, ilustra a diretora.

O maior desafio para os professores, no entanto, foi aumentar o uso de tecnologias na sala de aula, segundo a diretora. As escolas da rede são adeptas do Bring Your Own Device, em que os alunos levam seus próprios equipamentos, como celulares e tablets, para usar em sala de aula. “Estamos tentando criar um ambiente onde a tecnologia é um suporte para boas práticas educacionais”, diz a diretora, que completa: “Para isso, estimulamos que os alunos ajudem a desenvolver a capacidade de seus professores de usar essas tecnologias de formas que façam sentido no processo de aprendizagem dentro da escola”.

Uma das maneiras escolhidas para assegurar que todos entendessem a importância dessa mudança foi inserindo no boletim escolar os conceitos de avaliação dessas competências antes das notas das disciplinas tradicionais. Os alunos também passam por processos de autoavaliação, que os permitem analisar seu processo evolutivo e identificar as ações da escola que garantiram esse desenvolvimento.

JENNIFER ADAMS - CURRÍCULO PARA O BEM-ESTAR

AVALIAÇÃO


Rio de Janeiro é pioneiro em monitoramento de competências socioemocionais

Gestores e educadores que já desenvolvem intervenções e projetos voltados para as competências socioemocionais dos estudantes frequentemente sentem a necessidade de identificar se suas ações estão de fato causando algum impacto positivo no desenvolvimento dos alunos. Apesar de muitas vezes o resultado ser visível para aqueles que convivem com os jovens, poucos métodos foram testados até hoje para indicar com mais precisão esses efeitos. Com o objetivo de ajudar a suprir essa lacuna, o Instituto Ayrton Senna reuniu pesquisadores e divulgou, neste ano, um sistema de avaliação de competências socioemocionais para ser usado por redes de ensino.

Um dos pressupostos da proposta é que a dinâmica de ensino e aprendizagem proporciona um contato entre professores e estudantes que vai além da mera transmissão de conteúdo e que, todos os dias, cada educador identifica como andam seus alunos em relação à persistência, curiosidade e vontade de aprender, sua capacidade de concentração, entre outras competências. Muitas vezes, esses aspectos até são considerados no momento da avaliação de desempenho, mas de maneira subjetiva e sem subsidiar práticas educativas mais adequadas para suprir as necessidades específicas dos estudantes.

O trabalho de construção e uso de uma ferramenta de monitoramento de competências socioemocionais tem, portanto, o papel de definir melhor os critérios de observação dessas habilidades e utilizar esses indicadores para orientar a própria atuação docente.

“Assim como no aspecto cognitivo, a avaliação de competências é uma etapa essencial do processo educativo para identificar obstáculos, priorizar objetivos e replanejar ações ao longo da trajetória escolar sem cair no achismo”

“Assim como no aspecto cognitivo, a avaliação de competências é uma etapa essencial do processo educativo para identificar obstáculos, priorizar objetivos e replanejar ações ao longo da trajetória escolar sem cair no achismo”, afirma Tatiana Filgueiras, Coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna. “No entanto, esse monitoramento tem especificidades e não basta replicar métodos ou práticas das avaliações de conteúdo”, defende.

Para construir o primeiro instrumento escolar de avaliação dessas competências em larga escala no Brasil, a equipe do Instituto contou com apoio da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e reuniu os pesquisadores Daniel Santos, economista da USP, e Ricardo Primi, psicólogo da Universidade São Francisco.

Em 2011, o grupo iniciou uma ampla revisão de instrumentos internacionais voltados para avaliação de características pessoais, entre elas as competências socioemocionais. Mais de 100 testes passaram pela análise, para que se pudesse identificar os itens mais adequados para o trabalho no ambiente escolar que permitissem a interpretação de resultados pelo viés das cinco dimensões relacionadas ao desenvolvimento pleno do ser humano (no campo da psicologia, são as dimensões definidas pela teoria do Big Five).

Após o trabalho de seleção, os pesquisadores consultaram outros especialistas em educação, construíram novos itens para o questionário brasileiro e confirmaram, com análises estatísticas, que o novo instrumento era confiável e captava aspectos socioemocionais a partir do autorrelato, ou seja, quando os alunos falam sobre suas próprias características e habilidades.

Em outubro de 2013, com apoio da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, cerca de 25 mil estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e do 3° ano do ensino médio participaram da aplicação piloto desse instrumento, denominado de sistema SENNA (sigla em inglês para “Avaliação Nacional de Socioemocionais ou Não-cognitivas”). Além do questionário com até 92 itens, o sistema coleta informações socioeconômicas e permite o cruzamento com resultados cognitivos dos alunos e informações sobre o ambiente de aprendizagem.

Resultados

Os resultados preliminares da aplicação do questionário indicam que jovens com competências socioemocionais mais desenvolvidas tendem a ter melhor desempenho escolar, e que é possível estimular essas competências com ações promovidas por políticas públicas direcionadas para este fim. Ter em casa mais de uma estante de livros, por exemplo, aumenta 40% a chance de uma criança ser mais aberta a novas experiências, e alunos com essa característica altamente desenvolvida tendem a conseguir um desempenho melhor em português.

Isso porque, mantendo-se constantes as características familiares e da escola, foi possível estimar, que ao elevar a abertura a novas experiências de um aluno, o aprendizado pode ter um ganho de até um terço do ano letivo na disciplina. Já para matemática, o desempenho pode ser elevado em um terço do ano letivo com um aumento na dimensão da consciência.

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Dentre os aspectos estudados sobre o desenvolvimento das competências socioemocionais, o incentivo ao estudo pelos familiares tem o maior impacto para estimular nos seus filhos aspectos como consciência, amabilidade e abertura a novas experiências. Por exemplo, 23% da diferença entre alunos com alta e baixa consciência seria eliminada caso os pais do aluno com baixa consciência os incentivasse a estudar.

Os dados indicaram que filhos de mães menos escolarizadas são tão ou mais conscienciosos que filhos de mães mais escolarizadas. Esse fato chama atenção para o potencial da abordagem socioemocional para alavancar o desempenho educacional dos alunos mais economicamente vulneráveis, uma vez que pais com menor escolaridade e recursos econômicos não parecem estar em desvantagem em relação aos pais mais favorecidos economicamente.

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Para o economista Daniel Santos, agora é preciso amadurecer a forma de usar essas informações em políticas públicas. “O principal é que a individualidade de cada aluno será respeitada, o intuito não é homogeneizar pessoas, e sim desenvolver estratégias para tornar a educação mais eficaz”, disse.

“Importante lembrar que nesse tema não podemos definir qual competência é bom ter em maior ou menor grau, é um conjunto de características que cada pessoa tem em uma combinação diferente”

O psicólogo Ricardo Primi reforça que, diferentemente das avaliações cognitivas, a socioemocional não busca estabelecer um nível ideal de pontuação. “Importante lembrar que nesse tema não podemos definir qual competência é bom ter em maior ou menor grau. Trata-se de um conjunto de características que cada pessoa tem em uma combinação diferente”, completou.

Próximos passos

Em conjunto com os consultores internacionais Oliver John e Filip de Fruyt, a equipe responsável pelo sistema de avaliação atualmente analisa a validação de novos itens para ampliar a abrangência dos resultados. A perspectiva é aprimorar a ferramenta por meio da aplicação em outras redes de ensino.

Como esse modelo de avaliação se destina a oferecer informações em larga escala para políticas públicas, seu formato é abrangente para que possa ser comparável, de modo a permitir análises e trocas de experiência entre diferentes sistemas educativos. Por isso, oferece informações sobra as cinco dimensões da teoria do Big Five.

Cada um desses domínios, no entanto, pode ser percebido através de um conjunto de diferentes comportamentos e atitudes no cotidiano. Esse nível mais detalhado e específico fornece indicadores das atividades observáveis em sala de aula e demanda outro formato de avaliação, considerado formativo, por ter com caráter pedagógico e buscar o redirecionamento das práticas. O sistema SENNA também possibilita essa análise com um instrumento específico, organizado como um roteiro de avaliação.

Os instrumentos de avaliação socioemocional compõem um conjunto que conta ainda com material de apoio e um programa para facilitar a inserção de dados e geração de devolutivas. O sistema está em fase de finalização. “Agora é o momento de garantir que essas ferramentas sejam usadas para alavancar o potencial dos alunos; da mesma forma como nos testes cognitivos, é preciso tomar cuidado para que a utilização não sirva a propósitos de fazer ranking ou metas e outros usos menos pedagógicos”, defendeu Tatiana.

Fonte: http://porvir.org/especiais/socioemocionais/